De acordo com o advogado e professor Voltaire Marenzi, a previdência complementar no Brasil vive um momento de ruptura silenciosa. Criada com base na liberdade contratual e na adesão voluntária, inspirada até mesmo nas antigas guildas medievais, a proposta inicial era servir de complemento ao regime geral da previdência social (RGPS). O modelo, consolidado pela Lei nº 6.435/1977, previa um sistema operado por entidades sem fins lucrativos, focado na mutualidade, cooperação e assistência. Essas associações tinham como objetivo garantir aos associados uma reposição digna da renda durante a aposentadoria, respeitando princípios de gestão privada e direito contratual.
Com o tempo, muita coisa mudou. Hoje, a realidade é outra. A partir da Emenda Constitucional nº 20/1998 e da Lei Complementar nº 109/2001, a previdência complementar passou por uma profunda transformação institucional. A criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e o aumento da regulação estatal marcaram o início de uma “publicização” do setor. O que antes era um acordo entre partes privadas, agora é um sistema sujeito à forte intervenção do Estado, com regras que muitas vezes permitem alterações unilaterais nos contratos em nome do “interesse coletivo”.
Além disso, outras mudanças vêm agravando o distanciamento das origens do modelo. A crescente semelhança entre planos de previdência e seguros de vida, a popularização dos produtos PGBL e VGBL e a aplicação de tributações como o IOF indicam uma tentativa de encaixar a previdência em moldes comerciais e fiscais que não condizem com sua essência. Para o autor, essa descaracterização traz riscos concretos: desestímulo à adesão, perda de segurança jurídica e o enfraquecimento de um instrumento que nasceu para complementar a previdência pública e aliviar o Estado. A crítica é clara: na ânsia de cobrir o déficit público, o governo pode estar desfigurando um sistema que deveria ser regido pela boa-fé contratual.
